Entre pontes e pontas, corais

10 mar

IMG_5770É, teve dia internacional das mulheres na Ponta do Coral. Bem como a gente quer: gentes, muitas cores, diversidade. Conversa, piquenique, pôr do sol, estrela, bicicletas, chuva, e a lista segue, desordenada mas firme, com trabalho, capina, foices. Algumas canções. Presença de mulheres homens de todos os jeitos, bandeira, faixas, danças circulares, crianças. Quando propomos para este espaço público uma área de lazer queremos isto: um lugar de sociabilidade, de repouso, de ensimesmamento, capaz de – no meio da cidade – provocar distanciamento, descentramento, relaxamento, estas coisas fundamentais para a “qualidade de vida” – esta consigna tão hipocritamente proclamada pelos vendilhões da cidade, nos últimos tempos.

A Ponta do Coral neste momento da história da cidade não é somente uma luta em defesa da última área verde da parte central da cidade (o que por si só já valeria cada gota do nosso suor) mas é também o esforço de criar ali um experimento, uma forma diversa de viver a cidade. Está também em jogo uma categoria importantíssima da classe trabalhadora da história da cidade: os pescadores e as pescadoras.Com isto, além da luta por uma área de LAZER, busca-se também a manutenção de um espaço de trabalho. A ponta do Coral faz parte do ecossistema que ainda hoje, apesar de tudo, garante a vida de mais de 60 famílias de pescadores: o Bairro João Paulo abriga hoje, ainda a segunda maior comunidade pesca da cidade. É todo um modo de vida – do qual o trabalho no mar é parte crucial – que está em jogo, aqui. A luta pela Ponta do Coral 100% pública e Parque Cultural das Três Pontas é também um esforço para garantir a permanência e a reprodução do modo de vida e de trabalho da pesca artesanal, que resiste bravamente, tendo como principais inimigos a pesca industrial e o avanço sem limites da “turma do concreto”   sobre seus territórios de trabalho e de vida. Este modo de vida – onde trabalho não é apenas um emprego, mas também uma forma de imprimir uma marca no mundo, humanizando-o – sofre ataques diretos da especulação imobiliária, da indústria do turismo e da pesca industrial. Tem ainda, como inimigos, a atual prefeitura e até mesmo a FATMA, que ao invés de zelar pelo meio ambiente, age de forma irresponsável, afrontando consensos científicos e acordos internacionais (não sem o desacordo de muitos de seus técnicos, não sem o rechaço da população – mas com o apoio escandaloso dos meios de comunicação).

Por isto, além de afirmar o caráter público da Ponta do Coral, o movimento quer também proteger toda a área que envolve as Três pontas, incluindo as águas da baía norte, o mangue do Itacorubi, a Ponta do Lessa e a do Goulart. Ao propor um parque CULTURAL para a área, o movimento se reporta ao sentido antropológico da expressão: cultura como modo de vida, não como folclore, peça de museu, troféu, título honorário, prêmio – estas hipocrisias que tem se multiplicado na cidade na razão inversa com que a cultura mesma – incluindo aí as pessoas – são eliminadas). Cultura como modo de vida pleno, dinâmico, aberto para a troca e para a criação, mas troca horizontal, democrática; criação protagonizada pelas maiorias, mirando o futuro com a responsabilidade de quem sabe que os recursos naturais – e os humanos – são preciosos.   Por isto, a luta pela Ponta do Coral assume, hoje, especial importância, nesta cidade golpeada e triste, pelos feitos de César e os que o antecederam nas últimas décadas. Ela não é a única no combate à cidade de mercado, cidade vendida, mas se apresenta como um sinal de que há um iceberg submerso, disposto a reaparecer. É isto – as gentes – que fazem do município, a cidade; de uma cidade, a pólis; da pólis, um lugar de encontro; dos encontros, a construção de uma outra sociedade (alter-cidade). Floripa possível, viável, alternativa – se insinuando – se impondo? – entre as pontas, entre os corais…

Carmen Susana Fava Tornquist

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